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Petrópolis, Porto Alegre - RS

Positividade tóxica

A cultura da positividade se tornou a forma mais comum de promover a negação de todas as dificuldades.⠀

Incrível como nossa sociedade recusa-se a se frustrar e propaga um discurso de que é possível uma vida feita apenas de satisfação. É uma cultura tão difundida que virou comercializável: existem pessoas vendendo fórmulas de uma vida feliz. E há um mercado lucrativo para isso.⠀

Já dizia Freud que a felicidade é uma questão individual. Se fosse possível vendê-la ninguém compraria porque a felicidade que eu sei fazer serve apenas pra mim. ⠀

Assim como não é possível ser feliz o tempo inteiro, não é possível ser positivo o tempo inteiro. O que seria do processo de luto sem a raiva, tristeza, desesperança…? Jamais elaboraríamos uma perda. ⠀

Essa cultura é o resquício daquele pensamento mágico infantil e daquela fantasia de onipotência que nos faz pensar que basta desejar para as coisas acontecerem. Isso não significa que devemos esperar sempre o pior, mas que podemos parar de reprimir nossos anseios com medo que isso atraia “negatividade” e, desta forma, quem sabe essa angústia encontre uma descarga e não precise sair em forma de sintoma. ⠀

A rigor, não existe nenhum sentimento que seja bom ou ruim (negativo ou positivo), todos são dignos de serem sentidos, todos comunicam o que se passa internamente e todos são úteis e promovem nosso desenvolvimento, se nós nos permitirmos senti-los. ⠀

Diante de uma situação difícil, nada mais natural do que sentir um afeto proporcional. É disso que Freud falava quando disse que somos feitos de carne, mas temos que viver como se fôssemos de ferro. ⠀

A positividade, ou positividade tóxica, é mais um engodo da modernidade líquida onde nada é importante o bastante para nos abalar.⠀

É preciso muita coragem para se deixar tocar pelas coisas que nos acontecem hoje em dia. Muito mais fácil é negar a castração e fugir de todos os sentimentos que nos desagradam. Acontece que Freud já nos avisou que a fuga é a maneira mais segura de se tornar prisioneiro do que se quer fugir. E ninguém consegue fugir de si mesmo.⠀

Sem um pouquinho de “negatividade” a gente não sai do lugar e também não entra no divã: quem não consegue entrar em contato com sua angústia não consegue ser analisado, a não ser que abra mão da positividade absoluta. Sejamos de carne.

Escrito por:
Fernanda Soibleman Kilinski

CRP: 07-19871 - Porto Alegre - RS

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